A LEGITIMIDADE DOS ENTES SINDICAIS À PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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Texto extraído do Publicado na Revista Direito Social nº 05 p.39

Marcelo Lipert
Integrante da sociedade de advogados Paese, Ferreira, Kliemann, Not & Advogados Associados, atuante na assessoria jurídica de entidades sindicais de trabalhadores e servidores públicos no Estado do Rio Grande do Sul.

Entre as inúmeras investidas do Governo Fernando Henrique Cardoso no sentido de inviabilizar os movimentos sindicais, claramente definidas na edição de diplomas legais limitadores da capacidade de atuação política dos sindicatos, que vão desde a supressão da remuneração dos servidores sob licença para desempenho de mandato classista (art. 92 da Lei nº 8.112/90, modificado pela Lei nº 9.527/98) até a tentativa de limitar a legitimação extraordinária conferida constitucionalmente aos entes sindicais (art. 8º, inc. III, da CF/88), na defesa dos interesses e direitos individuais e coletivos da categoria que representam (art. 2º-A, parágrafo único, da Lei no 9.494, de 10.09.1997, acrescido pelo art. 5º da MP nº 1.798-11, de 11.02.1999, atual art. 4º da MP nº 2.180-35, de 24.08.2001), surge, em contrapartida, a polêmica possibilidade de os sindicatos, na condição de substitutos processuais (art. 6º do CPC c.c. o art. 8º, inc. III, da Lei Maior), ingressarem com o instrumento processual da ação civil pública, na defesa de ditos direitos e interesses de suas categorias.
Nas ações ajuizadas pelo rito ordinário, em que os sindicatos atuam na condição de verdadeiros substitutos processuais da categoria que representam, postulando, em nome próprio, a defesa de direito alheio, diversas foram as dificuldades enfrentadas na depuração judicial do instituto da substituição – legitimação extraordinária conferida às entidades sindicais pelo art. 8º, inciso III, da Constituição Federal –, para o qual se exigiam, como requisitos essenciais ao ingresso da ação, não somente a apresentação de listagem nominal dos servidores ou trabalhadores substituídos como também a comprovação de ter havido a expressa autorização dos mesmos ao ajuizamento da demanda, obtida em assembléia geral da entidade.
Em que pese a jurisprudência já ter pacificado o entendimento de ser desnecessário o implemento de tais requisitos Precedentes Jurisprudenciais: Mandado de Segurança nº 94.04.23073-1, Órgão Pleno do TRF da 4a Região, Relatora Juíza Ellen Gracie Northfleet, publ. no DJ de 10.05.95; Agravo de Instrumento nº 94.04.39583-1/RS, 3ª Turma do TRF da 4a Região, Relatora Juíza Marga Barth Tessler, publ. no DJ de 12.02.97; Agravo de Instrumento nº 97.04.67252-7/RS, 3a Turma do TRF da 4a Região, Relatora Juíza Luiza Dias Cassales, publ. no DJ de 21.10.98; MS nº 20.936-4/DF, Plenário do STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, publ. no DJ de 11.09.92, Ementário nº 1.675-2; MI nº 347-5, Plenário do STF, Rel. Min. Néri da Silveira, publ. no DJ de 08.04.94, p. 7.222 – Ementário n.º 1.739; no mesmo sentido: ADIn nº 293-7/600-DF, Plenário do STF, Rel. Min. Celso de Mello, publ. no DJ de 16.04.93, p. 6.429 – Ementário nº 1699-1. 23, tendo o Supremo Tribunal Federal emitido decisões extremamente claras no sentido de que o art. 8º, inciso III, da Constituição assegura aos sindicatos a qualidade de substitutos processuais de toda a categoria, sem quaisquer condicionamentos ou limitações, especialmente quanto à desnecessidade de autorização dos substituídos, ainda assim insiste o Governo FHC em reacender essa superada polêmica, fazendo constar, a cada reedição da Medida Provisória no 1.798-1, de 11.02.1999 – a atual MP nº 2.180-35, de 24.08.2001 –, a previsão de que “nas ações coletivas propostas contra entidades da Administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços” (art. 2º-A, parágrafo único, da Lei no 9.494, de 10.09.1997, acrescido pelo art. 5º da MP nº 1.798-11, de 11.02.1999, atual art. 4º da MP nº 2.180-35, de 24.08.2001).
Nesse contexto, a utilização do instrumento processual da ação civil pública pelos sindicatos, em que os mesmos atuariam, da mesma forma como nas ações ajuizadas pelo rito ordinário, na condição de substitutos processuais da categoria, em que pesem as polêmicas jurisprudenciais acerca do tema, pode constituir-se na solução legal mais adequada à superação dos obstáculos opostos à atuação política dos entes sindicais, fortemente revelados na tentativa de inviabilizar seu importante papel de postular em juízo em nome de seus filiados, desde que se conte, obviamente, com a boa vontade do Judiciário na efetiva aplicação dos dispositivos legais garantidores de tal legitimação, tal como insculpidos nos arts. 1º, inciso IV, 5º, 18 e 21 da Lei nº 7.347, de 24.07.1985, combinados com os arts. 81, parágrafo único, incisos II e III, 82, inciso IV, 87 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, de 11.09.1990), quando atuantes os sindicatos na defesa dos interesses e direitos coletivos e individuais da categoria, dentro os quais se encontra contemplada a categoria dos chamados direitos individuais homogêneos.
Além da desnecessidade de autorização assemblear expressa dos sindicalizados ao ingresso da ação civil (art. 82, inciso IV, da Lei nº 8.078/90), podem-se valer os sindicatos do benefício da isenção de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas (art. 18 da Lei nº 7.347/85 c.c. o art. 87 da Lei nº 8.078/90), salvaguardando-se a entidade de eventual condenação, salvo comprovada má-fé, em honorários advocatícios e outras despesas processuais, aspecto de vital importância na apreciação de suas assessorias jurídicas, nas hipóteses em que o ajuizamento de determinadas ações, ao invés de reverter em benefício econômico à categoria, pode significar, muitas vezes, prejuízos imensuráveis às entidades, especialmente nos casos de improcedência de demandas ajuizadas em nome de um grande número de substituídos, em que houve impugnação ao valor da causa julgada procedente, implicando o pagamento de vultosas quantias monetárias a título de custas e honorários advocatícios.
Assim, da interpretação sistemática das disposições normativas constantes das Leis nºs 7.347/85 – que propriamente disciplina a ação civil pública – e 8.078/90 (CDC), assomadas ao conteúdo teleológico da norma insculpida no art. 8º, inciso III, da Constituição Federal, que conferiu legitimação extraordinária aos entes sindicais, para, na condição de substitutos processuais, de forma ampla e incondicionada, defenderem os direitos e interesses de seus filiados em juízo, resulta inquestionável a legitimidade ativa dos sindicatos ao ingresso da ação civil pública.
Veja-se que a Lei no 7.347/85 é expressa em definir a utilização do instituto da ação civil pública para a postulação em juízo de reparação de dano patrimonial (art. 1o) causado ao meio ambiente (art. 1º, inc. I), ao consumidor (art. 1º, inc. II), … e a “qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 1º, inc. IV – na redação dada pela Lei nº 8.078, de 11.09.1990), atribuindo legitimidade para a sua propositura, concorrentemente (art. 5o), ao Ministério Público, à União, aos Estados e Municípios, às Autarquias, às Empresas Públicas, às Fundações, às Sociedades de Economia Mista e, ainda, às “associações que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil (art. 5º, inc. I) e incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 5º, inc. II – na redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.06.1994)”.
Os sindicatos, nesse contexto, exatamente por atuarem, na exata dimensão do art. 8o, inciso III, da Lei Maior, na condição de substitutos processuais da categoria, da mesma forma que as associações civis, que, diferentemente, atuam na condição de representantes processuais, necessitando de expressa autorização de seus filiados para o ingresso em juízo, encontram-se plenamente legitimados ao ingresso da ação civil pública, não se podendo atribuir ao inciso I do art. 5º da Lei no 7.345/85 interpretação restritiva, a ponto de sonegar a extensão do instituto também aos entes sindicais.
A Lei no 8.078/90, que regula as relações de consumo, ao introduzir o art. 21 na Lei nº 7.345/85, criou a possibilidade de utilizar-se o instituto da ação civil pública na defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, em conformidade com a disciplina contida no Título III do Código de Defesa do Consumidor, atinente à defesa coletiva em juízo, nas seguintes hipóteses (art. 81): “I – defesa de interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos do CDC, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos do CDC, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
Para a defesa de tais direitos, estabeleceu a Lei nº 8.078/90 legitimação concorrente praticamente idêntica à estabelecida na Lei da Ação Civil Pública, atribuindo, relativamente às “associações”, hipótese em que também enquadrados os entes sindicais, a possibilidade de dispensa de autorização assemblear para o ingresso da ação em juízo (art. 82, inc. IV), podendo atuar em nome próprio e no interesse das vítimas e seus sucessores (art. 91).
Portanto, com a possibilidade de utilizar-se a disciplina contida no Título III do Código de Defesa do Consumidor na operacionalização da ação civil pública, a única diferença que parece existir entre a ação coletiva prevista na Lei nº 7.345/85 e a prevista na Lei nº 8.078/90 é tão-somente o nomen juris atribuído ao instituto: a) pela disciplina da
Lei nº 7.345/85, chamar-se-á de ação civil pública; pela disciplina da Lei nº 8.078/90, chamar-se-á de ação civil coletiva.
Em que pese a clareza meridiana dos dispositivos legais acima comentados, a Justiça Federal gaúcha, pelo menos em nível de 1ª instância, com as suas raras exceções, tem sido tímida na apreciação da matéria, a ponto de, utilizando-se de métodos interpretativos inadequados, atribuir aos mesmos feição exclusivamente gramatical, quando o correto seria considerá-los conjuntamente, de forma integrativa dentro do sistema legal e constitucional que ampara a legitimidade dos entes sindicais, na defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos da categoria que representam.
Assim é que os magistrados de 1ª instância da Justiça Federal gaúcha têm afastado a tese de legitimidade dos sindicatos ao ajuizamento da ação civil pública, ora afirmando que a proteção de ditos direitos somente seria possível quando expressamente permitida em lei, hipótese em que limitam a utilização do instituto à proteção exclusiva dos direitos decorrentes das relações de consumo (art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.347/85), e aos direitos individuais homogêneos indisponíveis quando a demanda é patrocinada pelo Ministério Público (art. 6o, inciso VII, alínea d, da Lei Complementar no 75/93), ora aduzindo que somente às associações civis caberia tal legitimação, por força da interpretação gramatical dos arts. 5º, caput, da Lei nº 7.347/85, e 82, inciso IV, da Lei nº 8.078/90, fazendo tábula rasa do disposto no art. 8º, inciso III, da Constituição Federal Nesse contexto, é no mínimo estranho e curioso que o mesmo Judiciário que, entendendo inaplicável a legitimação dos sindicatos ao ingresso da ação civil, afastando a incidência dos citados normativos, acaba por invocá-los – e de forma equivocada – nas hipóteses em que as entidades sindicais ajuízam ações pelo rito ordinário, principalmente na fase de execução, com o intuito de limitar o instituto da substituição processual, afirmando não terem os sindicatos legitimidade para a liquidação e execução do julgado, mas apenas para criar o título executivo, em total desconsideração ao disposto nos arts. 97, 98 e 100 da Lei nº 8.078/90, que asseguram a tais entes a faculdade de, concorrentemente às vítimas e seus sucessores, executarem coletivamente a sentença, ressalvando ainda a hipótese de que, decorrido o prazo de 01 (um) ano sem a habilitação dos interessados, poderão os sindicatos promover a liquidação e execução do quantum devido.24.
O equívoco de tais decisões, salvo melhor juízo, está em que a previsão legal para a defesa, pelos entes sindicais, dos direitos individuais homogêneos da categoria que representam, exsurge exatamente do disposto no Título III do Código de Defesa do Consumidor, que, segundo o magistério de Kazuo Watanabe, “é invocável para a tutela de outros direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, e não apenas os respeitantes aos consumidores”, ou seja , “(…) o propósito do legislador foi o de alargar a disciplina contida no Título III do Código, fazendo-a abranger outros direitos ou interesses difusos ou coletivos, e individuais homogêneos tratados coletivamente, e não apenas os direitos ou interesses pertinentes aos consumidores. O veto presidencial pretendeu cortar essa extensão, mas não conseguiu atingir o objetivo colimado. É que deixou de vetar também os arts. 110 e 117, contidos no Título VI – ‘Disposições Finais’ – que, pela via da modificação da Lei no 7.347/85 reafirmou a mesma solução do alargamento. Com efeito, o art. 110 acrescentou o inc. IV ao art. 1o dessa lei, para deixar explicitado que suas disposições se aplicam também a ‘IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo’. E o art. 117 acrescentou o art. 21 à Lei 7.347/85, do seguinte teor: ‘Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que institui o Código de Defesa do Consumidor’. A mesma extensão indicada no dispositivo vetado foi efetivada pelos arts.
110 e 117 do Código, que fizeram os acréscimos mencionados à Lei no 7.347/85, sendo assim induvidoso, agora, que toda a disciplina contida no Título III do Código, inclusive a pertinente à ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos, é invocável para a tutela de outros direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, e não apenas os respeitantes aos consumidores” (in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2.ed., Forense Universitária, p.532 – grifo nosso)
Cumpre destacar, nesse senso, que o Executivo Federal, mediante a edição da Medida Provisória nº 1.984-18, de 1º.06.2000 (art. 6º – reproduzido na atual MP nº 2.180-35, de 24.08.2001), em flagrante ofensa ao disposto no art. 8º, inc. III, da Lei Maior, pretendeu restringir o campo de utilização da ação civil pública, fazendo acrescer ao art. 1º da Lei nº 7.347/85 parágrafo único, dispondo que “não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.
Pretendeu, assim, como de praxe, evitar o curso natural de uma série de ações civis que certamente seriam ajuizadas por entidades sindicais, com o fim de postular os índices de correção monetária aplicáveis sobre as contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS dos trabalhadores, nos índices de 16,65% (Plano Verão – jan./89) e de 44,80% (Plano Collor I – abr./90), direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 226.855-7-RS, Relator o Ministro Moreira Alves (publ. DJ de 13.10.2000). Uma medida casuística, portanto, praticada pelo Governo FHC.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, entretanto, já houvera reconhecido, muito tempo antes da edição da citada norma provisória, a utilização da ação civil pública por sindicato de classe em demanda ajuizada contra a Caixa Econômica Federal – CEF, onde se postulava, exatamente, a correção monetária dos depósitos fundiários dos trabalhadores substituídos. Tal é o que se extrai da ementa do julgado a seguir transcrita:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – FGTS – CONTAS VINCULADAS – CORREÇÃO MONETÁRIA – LEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO – ART. 5º, II, DA LEI 7.347/85 COM NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI 8.078/90 – RECURSO PROVIDO.
1 – O Sindicato tem direito de representação, quando devidamente autorizado, para agir como substituto processual de seus filiados, como na hipótese (autorização – fl. 151).
2 – Cabe a ação civil pública para a cobrança da correção monetária dos depósitos do FGTS, vez que a questão versa sobre interesse coletivo da categoria profissional que o autor representa, ou, mesmo, interesse individual homogêneo da categoria, nos termos do artigo 5º, II, da Lei 7.347/85, com nova redação dada pela Lei 8.078/90.
3 – A jurisprudência vem se posicionando no sentido de que a ação civil pública tem natureza de ação coletiva, semelhante ao dissídio coletivo, ou seja, há uma reunião de interesses individuais homogêneos, que pode ser examinado de uma forma coletiva.
4 – Recurso do Sindicato provido” (Apelação Cível nº 96.01.012301-6, 5ª Turma do TRF da 3ª Região, São Paulo, Relator Juiz Tourinho Neto, j. 16.03.1998, publ. DJ de 05.05.1998, p. 514).
Outros julgados exigem, entretanto, como requisito à legitimidade dos sindicatos, a existência de “conexão do interesse ou do direito do substituto com o do substituído” (AC 96.01.13136-1/MG, TRF da 1ª Região, Relª Juíza Eliana Calmon). E tal conexão de interesses e direitos dos filiados – de terem seus direitos protegidos e defendidos pela entidade, com vistas à melhoria das condições de remuneração, vida e trabalho – com o interesse das entidades – o de defender e proteger tais direitos, decorrentes das relações existentes entre os trabalhadores e os seus órgãos empregadores –, obviamente, não serve de óbice à utilização do instrumento da ação civil.
De qualquer sorte, independentemente da categoria de direitos a ser defendida pelo sindicato, se decorrente de interesse ou direito coletivo da categoria profissional que representa, ou, mesmo, interesse ou direito individual homogêneo, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85, ou mesmo do art. 81, incs. II e III, da Lei nº 8.078/90, o fato é que a jurisprudência pátria vem reconhecendo, na ação civil pública, a natureza de ação coletiva, em tudo semelhante ao dissídio coletivo, ou seja, de que há uma reunião de interesses individuais homogêneos, que pode ser examinada coletivamente.
Tal entendimento é compartilhado pelo ilustre Desembargador Federal Vilson Darós, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, na condição de Relator do Agravo de Instrumento nº 2000.04.01.016065-6/RS, interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado do Rio Grande do Sul – SINDISPREV/RS, em face de decisão que havia afastado a legitimidade ativa da entidade com base nos obstáculos acima declinados, deixou assim consignado em seu voto:
“(…)
Com relação à legitimidade do sindicato à propositura de ação civil pública, tenho que o suporte legal está expresso nos arts. 5º e 21 da Lei nº 7.347/85, combinados com os arts. 81, II, e 82, IV, da Lei nº 8.078/90, uma vez que atua na defesa dos chamados direitos coletivos strictu sensu, ou seja, há uma reunião de interesses individuais homogêneos, que pode ser examinado de uma forma coletiva.”
No entendimento de ilustre doutrinador Rodolfo de Camargo Mancuso, “(…) é ainda possível, se se quiser um maior apuro terminológico, distinguir a legitimação ativa das associações à ação civil pública, conforme o tipo de interesse metaindividual nela objetivado: se for difuso ou coletivo em sentido estrito (CDC, art. 81, I e II), sua tutela judicial se dá em dimensão genuína e essencialmente coletiva (sujeitos indeterminados e objeto indivisível), de sorte que aí a associação exerce legitimação ordinária (= é a ela mesma que a lei confere o poder de agir, como ‘adequada portadora’ do interesse); já no concernente aos interesses individuais homogêneos, como eles são apenas tratados coletivamente, remanescendo individuais em sua essência (CDC, art. 81, III), a associação aí atuaria como substituta processual (dos indivíduos, titulares dos interesses pessoais homogeneizados pela origem comum), nos termos do art. 6º do CPC” (in Ação Civil Pública, 6.ed., São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p.117 – destaques nossos).
Por fim, ainda que se adotasse a interpretação restritiva segundo a qual não está o sindicato autorizado a defender direitos individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, inc. III, da Lei nº 8.078/90) de seus filiados, ao argumento de que a Lei nº 7.347/85 teria restringido a utilização do instituto tão-somente na hipótese dos direitos coletivos (art. 1º, inc. IV), tal linha de raciocínio cairia por terra, face à correta interpretação atribuída pela Augusta Corte Pátria a ambas as categorias de direitos, por ocasião do julgamento, pelo seu Órgão Pleno, do Recurso Extraordinário nº 163.231-SP (julg. em 26.02.1997, publ. no DJ de 29.06.2001, p. 55), em que o douto Ministro Relator Maurício Corrêa assim se referiu aos direitos individuais homogêneos, no seguinte excerto de seu voto:
“(…)
17. Por tal disposição, vê-se que se cuida de uma nova conceituação no terreno dos interesses coletivos, sendo certo que esse é apenas um nomen juris atípico da espécie direitos coletivos. Donde se extrai que interesses homogêneos, em verdade, não se constituem com um tertium genus, mas sim como uma mera modalidade peculiar, que tanto pode ser encaixado na circunferência dos interesses difusos quanto dos coletivos.
(…)
19. Quer se afirme na espécie interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão nitidamente cingidos a uma mesma relação jurídica-base e nascidos de uma mesma origem comum, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque incluem grupos, que conquanto atinjam a pessoas isoladamente não se classificam como direitos individuais, no sentido de alcance da ação civil pública, posto que sua concepção finalística destina-se à proteção do grupo (…).”
Portanto, o que se pode afirmar, conclusivamente, dentro do contexto em que lançada a tese de legitimidade dos entes sindicais à propositura de ação civil pública, é que a matéria requer maior cautela na apreciação por parte do Judiciário, principalmente no que toca aos métodos de interpretação utilizados, com maior valorização ao método sistemático e integrativo de todo o arcabouço legal e constitucional garantidor da legitimação extraordinária conferida aos sindicatos, especialmente o art. 8º, inciso III, da Constituição Federal, para atuarem na condição de substitutos processuais de seus filiados, defendendo interesses e direitos individuais e coletivos da categoria que representam.

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